Curiosa...sempre tinha sentido essa comichão na ponta do nariz que a levava a ser um pouco indiscreta.
Não era por maldade, apenas gostava de saber o que se passava do outro lado do muro. Acreditava que um dia encontraria uma outra cor para o céu, num desses seus olhares fugidios.
Não que desgostasse desse azul que unia num abraço sem fim o céu e o mar, mas porque achava que sendo o mundo tão grande haveria por certo um outro tom para pintar o seu céu.
E assim trepava às árvores mais altas, espreitava por todos os buracos que encontrava, subia aos muros mais íngremes...mas apenas as tonalidades de azul variavam.
Cresceu com os dias que se tornaram anos e o seu sonho foi ficando adormecido naquele baú que guardava nas paredes escuras do sótão.
As cores murcharam com as estações que já não brincavam com ela, o mar afastou-se do céu e deixou de ser o seu confessor das horas melancólicas...perdeu-se na espiral do tempo que a afogou em compromissos e sorrisos apagados.
Cansou-se, cansada do esboço que tinha delineado para si...sentia-se igual, cópia das cópias que a confundiam e naquele dia tão igual a todos os outros encontrou um buraco como aqueles que lhe faziam brilhar o olhar na sua infância...parecia um óculo para um outro mundo!
…
-Não entressssssss
O eco invadiu todo o espaço. O grito soou aflito aos seus ouvidos, mas agora já era demasiado tarde.
O espaço era o seu e seu era também o corpo que se moldava numa panóplia infindável de sensações estranhas.
Lembrava-se perfeitamente do momento em que tinha decidido entrar naquele túnel que lhe pareceu sem fim.
Entre o desconhecido e a pálida certeza dos dias iguais apostou no risco da diferença.
Agora enquanto a descida se processava entre cambalhotas e suaves deslizes aquela voz seguia-o sem cessar!
Em melodias suaves mas persistentes convidava-a a regressar...a estar sem ser!
Mas ela sabia que voltar atrás era impensável tinha entrado numa espiral onde os círculos venciam, porque não tinham princípio nem fim.
Sempre tinha preferido os começos...como se os fins mais não fossem do que um vazio profundo de um tempo fora do tempo!
Já não tinha medo... afinal esse vazio não era tão escuro como pensava!
Na sua imaginação, na dança dos sentidos que não tinha perdido nessa fuga irreal conseguiu adivinhar um esboço de luz, como se de um pirilampo perdido num espaço sem tempo tivesse chegado até ela.
E aos poucos a luz feriu-lhe a visão, inebriou-o com um aroma desconhecido como um canto de sereia coberto de selvagens amoras de um rubro toque desconhecido.
Nas rugas daquele fim de tarde que pensou já ter vivido outrora descobriu que o Outono ainda não tinha chegado àquelas árvores que lhe serviram de paisagem de fundo para longas viagens num oceano onde as águas azuis se tinham tornado o seu caminho para a vida!
Por: Carla Marques
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